Crônica da lavra do meu irmão primogênito, Vicente Cristino, relatando a nossa chegada, vinda de Coreaú, a Sobral. Eu tinha sete meses. Belo texto.
“Quando cheguei a Sobral, no dia 02 de janeiro de 1958, fui
recebido pelo estrepitoso apito da Fábrica de Tecidos, plantada a cem metros da
minha nova morada.
Os apitos da Fábrica de Tecidos.
A vida calma de Sobral, nos anos cinquenta, era de fazer inveja
aos hoje habitantes das comunidades rurais. As pessoas começavam as atividades
com o nascer do Sol e ao cair da tarde já estavam em seus lares. Às cinco horas
da manhã, um longo apito da fábrica de tecidos acordava a população. Depois do
apito despertador, outros apitos a cada duas horas eram o relógio da cidade.
Relógios individuais eram caros, raros e supérfluos.
“Meu Deus! Já deu o apito das nove e o feijão ainda tá cru!
Esta lenha molhada...”
O apito da fábrica era ouvido por todos. Não havia os poluentes
sonoros de hoje.
Os poucos automóveis não perturbavam a tranquilidade das
ruas. Casos isolados de jovens buzinando, para chamar a atenção das garotas e
exibir o carrão do pai, faziam lembrar os versos de Noel Rosa: ”você que atende
ao apito de uma chaminé de barro, por que não atende ao grito tão aflito da
buzina do meu carro”?
Havia um silencioso tráfego de carroças e parelhas de
jumentos, que com suas pequenas pipas faziam o abastecimento d’água .
O centro da cidade era composto pelos quarteirões: entre Rua
da Aurora- Cel. José Sabóia e Praça da Meruoca- Rua Senador Paula.
Os bares Cascatinha e Antártica, situados na Praça Cinco de
Julho, eram equipados com vitrolas que tocavam Nelson Gonçalves, Luis Gonzaga e
Anísio Silva em volume compatível com o conforto auditivo dos transeuntes.
A Rádio Iracema de Sobral transmitia às 21h30min o “Jornal
Sonoro H 22” que trazia as notícias do Brasil e do mundo. A voz compassada e
emocionada de José Maria Soares, lendo os jornais da capital e a crônica
“Spotlight” de Ribeiro Ramos, tornava obrigatória a audiência do noticioso.
Às dez horas da noite, a população estava recolhida, as
redes com mosquiteiros permitiam suportar as nuvens de muriçoca que infestavam
a Princesa do Norte.
A fábrica de tecidos dava um longo apito encerrando o dia”.
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