Há 16 anos, os brasileiros depositam suas expectativas políticas em
urnas eletrônicas. O sistema se notabilizou principalmente pela
agilidade na apuração e pela garantia, por parte do Tribunal Superior
Eleitoral, de que é imune a violações. Se a velocidade do trabalho de
contagem dos votos é indiscutível, a segurança das urnas nunca foi uma
unanimidade. Neste ano, a preocupação ganhou força depois que um grupo
de especialistas em informática descobriu falhas graves na proteção do
software utilizado nas urnas. A ação desses “hackers” fez parte de um
teste público realizado no TSE. Em vez de ajudar a aperfeiçoar a votação
eletrônica, a iniciativa acabou reforçando a impressão de que o
processo eleitoral precisa evoluir e se tornar mais transparente. Em
entrevista à ISTOÉ, o responsável pela equipe que conseguiu violar a
urna eletrônica de teste, o professor Diego Aranha, da Universidade de
Brasília, disse que foi pressionado para não divulgar a íntegra do
relatório em que apontou as falhas de segurança do programa desenvolvido
pelo TSE. “Apenas a versão aprovada pelo Tribunal foi publicada”, diz
Aranha. “As informações sensíveis foram suprimidas.”
Doutor em ciências da computação pela Unicamp e especializado em
criptografia, Aranha decidiu arriscar sua reputação, convicto das
vulnerabilidades da urna eletrônica. “Elas existem e nós demonstramos
isso”, afirma. “As urnas não são 100% seguras como dizem.” Quase seis
meses depois do início dos testes, em março, o pesquisador resolveu
publicar um relatório independente no qual aponta uma série de
fragilidades do processo eleitoral. “O software utilizado no sistema de
votação eletrônica brasileiro não satisfaz requisitos mínimos de
segurança e transparência”, afirma Aranha. Entre as principais falhas,
estariam a proteção inadequada do sigilo do voto, que permitiria saber
em qual candidato determinado eleitor votou, o uso de apenas uma única
chave criptográfica para cifrar as mídias de todas as urnas eletrônicas
do País e a aplicação de algoritmos obsoletos cujo uso para segurança em
computação já não é recomendado há pelo menos seis anos. “Seria o mesmo
que proteger milhares de urnas que serão usadas na eleição com cadeados
que podem ser abertos pela mesma chave e ainda esconder essa chave
debaixo do tapete, o lugar mais óbvio.”
A equipe de informática do TSE é formada por cerca de 150 servidores
públicos da área de tecnologia da informação e metade desse quadro é
responsável pelo desenvolvimento do sistema eleitoral. “Nossa democracia
está sob controle absoluto de 70 pessoas e o TSE parte do princípio de
que esses funcionários são absolutamente incorruptíveis”, afirma o
professor. O secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal Giuseppe
Janino, rebate as críticas. “Nos 16 anos de uso do sistema
automatizado, não houve sequer um caso de fraude ou tentativa
registrada”, afirma Janino. Sobre suspeitas já levantadas em outros
pleitos, ele diz que todas foram “devidamente apuradas”. Uma delas se
deu na disputa pelo governo do Maranhão, em 2010. Roseana Sarney decidiu
a eleição no primeiro turno por uma margem de 0,08% (ela obteve 50,08%
dos votos). Candidato pelo PCdoB, Flávio Dino questionou a vitória no
Tribunal Regional Eleitoral maranhense. Em relatório, ele indicou falhas
nos arquivos de auditoria das urnas e a ocorrência incomum de votos
“rápidos e tardios”, conforme descrito na denúncia. O caso, porém, foi
arquivado pelo TRE. Professor da Universidade Federal de Pernambuco e um
dos criadores do polo tecnológico Porto Digital, Sílvio Meira diz que
não há dúvidas quanto à lisura do processo eleitoral, mas defende maior
transparência por parte do TSE, que planeja, executa e fiscaliza as
eleições, além de julgar os processos. “É um sistema monolítico e
opaco”, diz Meira. “O eleitor deveria poder fiscalizar o seu voto.”
Fotos: Adriano Machado/ag. istoé; Ruy Baron/Folhapress
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