"Quintino Cunha
nasceu nos sertões do Ceará, na Vila de São Francisco da Uruburetama, atual
Itapajé, em 1875. Advogado, escritor, poeta, deputado estadual, foi um homem do
povo. A boêmia e a poesia o colocaram, definitivamente, no seu campo; foi
sempre o advogado dos pobres, dos marginalizados, dos infelizes. Dono de um
humor cortante como as roçadeiras dos sertanejos cearenses, protagonizou cenas
memoráveis nos tribunais de justiça.
Conta-se que, na Fortaleza dos anos de 1920, um deficiente físico, miserável, órfão, sem eira nem beira, tinha o infame apelido de “Chico Mêi Cu”, que o canelau gritava pelas ruas onde passava. O desgraçado tentava não dar importância à gritaria por onde passava, e a cena se repetia, pelo centro da cidade, anos a fio. Um dia, a paciência finda e a raiva transbordando, o infeliz ataca (ou se defende de) um daqueles que era mais virulento, useiro e vezeiro nas chacotas, e o mata. A comoção tomou conta da cidade e o pobre foi levado ao tribunal do júri, onde o promotor pediu a pena máxima.
Atendendo a inúmeras súplicas, Quintino se apresentou para a defesa, a qual deu início saudando o tribunal:
─ Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, respeitabilíssimos jurados. Em defesa de Francisco eu tenho a dizer que...
A pausa criou certo suspense e Quintino recomeçou:
─ Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, respeitabilíssimos jurados. Em defesa de Francisco eu tenho a dizer que...
Nova pausa, inquietação dos presentes, e novamente:
─ Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, respeitabilíssimos jurados. Em defesa de Francisco eu tenho a dizer que...
O juiz, a impaciência no limite, esbraveja:
─ Que demora é essa? O senhor vai ou não vai começar a defesa?
Quintino, calmamente, replica:
─ Repare só, Meritíssimo, não faz sequer um minuto que eu só me dirijo a vós de forma respeitosa, e já provoquei vossa inquietação. Agora imagine Vossa Excelência, o que deve ter passado pelas ideias do pobre Francisco, após todos esses anos de achincalhamento e mangoça pública.
E desenvolveu a sua defesa, garantindo a absolvição do desinfeliz.
Lembrei muito desse episódio de Quintino por conta da cuspida de Jean Wyllys em Bolsonaro. Jean, um dos parlamentares mais combativos que temos, suporta dia após dia os insultos de Bolsonaro e da sua matilha de seguidores. Bolsonaro, integrante da bancada fascista (sim, ela existe, mesmo que não haja um partido com esse nome), esmera-se no seu achincalhe: bicha, viado, queima-rosca. Sua homofobia contra Jean Wyllys torna-se mais virulenta ainda por conta das avançadas posições políticas deste.
No último dia 17 de abril, num dos momentos de maior gravidade da nossa jovem democracia, um circo de horrores no qual os discípulos de Cunha esbaldaram-se no deboche e no desrespeito, Jean, diante de novas agressões homofóbicas e com o copo de justificada cólera transbordando, arremessou uma cuspida em direção ao fascista. Foi o suficiente para que os conservadores de todas as espécies se apressassem e se unissem na condenação a ele. De vítima, Jean Wyllys se viu transformado em réu no tribunal dos falsos moralistas.
Quintino, vivo fosse, certamente sairia em sua defesa. Alguém, incorporando o humor fino e inteligente daquele, sentenciou: Dizem que Jean errou. Pode ser. É que não é fácil acertar a cuspida daquela distância.
Uma semana depois foi a vez do ator Zé de Abreu, outra vítima de agressões constantes que, agredido em um restaurante, revidou com duas cusparadas.
Não estou muito certo de que devamos reagir às agressões que se multiplicam por parte de aprendizes de fascistas com cusparadas ou partindo para a briga, embora tenha certeza de que não devamos mais ficar na passividade, sem reagir a tantas agressões. Sei que é necessário enfrentar o fascismo com humor, mas também com extrema firmeza. Sei também que, quando uma turba insana, feitos vestais, condena veementemente atos como o de Jean Wyllys e Zé de Abreu, mas silencia em relação às provocações crescentes dos fascistas, é porque o cinismo e a hipocrisia associaram-se alegremente à canalhice."
Conta-se que, na Fortaleza dos anos de 1920, um deficiente físico, miserável, órfão, sem eira nem beira, tinha o infame apelido de “Chico Mêi Cu”, que o canelau gritava pelas ruas onde passava. O desgraçado tentava não dar importância à gritaria por onde passava, e a cena se repetia, pelo centro da cidade, anos a fio. Um dia, a paciência finda e a raiva transbordando, o infeliz ataca (ou se defende de) um daqueles que era mais virulento, useiro e vezeiro nas chacotas, e o mata. A comoção tomou conta da cidade e o pobre foi levado ao tribunal do júri, onde o promotor pediu a pena máxima.
Atendendo a inúmeras súplicas, Quintino se apresentou para a defesa, a qual deu início saudando o tribunal:
─ Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, respeitabilíssimos jurados. Em defesa de Francisco eu tenho a dizer que...
A pausa criou certo suspense e Quintino recomeçou:
─ Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, respeitabilíssimos jurados. Em defesa de Francisco eu tenho a dizer que...
Nova pausa, inquietação dos presentes, e novamente:
─ Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, respeitabilíssimos jurados. Em defesa de Francisco eu tenho a dizer que...
O juiz, a impaciência no limite, esbraveja:
─ Que demora é essa? O senhor vai ou não vai começar a defesa?
Quintino, calmamente, replica:
─ Repare só, Meritíssimo, não faz sequer um minuto que eu só me dirijo a vós de forma respeitosa, e já provoquei vossa inquietação. Agora imagine Vossa Excelência, o que deve ter passado pelas ideias do pobre Francisco, após todos esses anos de achincalhamento e mangoça pública.
E desenvolveu a sua defesa, garantindo a absolvição do desinfeliz.
Lembrei muito desse episódio de Quintino por conta da cuspida de Jean Wyllys em Bolsonaro. Jean, um dos parlamentares mais combativos que temos, suporta dia após dia os insultos de Bolsonaro e da sua matilha de seguidores. Bolsonaro, integrante da bancada fascista (sim, ela existe, mesmo que não haja um partido com esse nome), esmera-se no seu achincalhe: bicha, viado, queima-rosca. Sua homofobia contra Jean Wyllys torna-se mais virulenta ainda por conta das avançadas posições políticas deste.
No último dia 17 de abril, num dos momentos de maior gravidade da nossa jovem democracia, um circo de horrores no qual os discípulos de Cunha esbaldaram-se no deboche e no desrespeito, Jean, diante de novas agressões homofóbicas e com o copo de justificada cólera transbordando, arremessou uma cuspida em direção ao fascista. Foi o suficiente para que os conservadores de todas as espécies se apressassem e se unissem na condenação a ele. De vítima, Jean Wyllys se viu transformado em réu no tribunal dos falsos moralistas.
Quintino, vivo fosse, certamente sairia em sua defesa. Alguém, incorporando o humor fino e inteligente daquele, sentenciou: Dizem que Jean errou. Pode ser. É que não é fácil acertar a cuspida daquela distância.
Uma semana depois foi a vez do ator Zé de Abreu, outra vítima de agressões constantes que, agredido em um restaurante, revidou com duas cusparadas.
Não estou muito certo de que devamos reagir às agressões que se multiplicam por parte de aprendizes de fascistas com cusparadas ou partindo para a briga, embora tenha certeza de que não devamos mais ficar na passividade, sem reagir a tantas agressões. Sei que é necessário enfrentar o fascismo com humor, mas também com extrema firmeza. Sei também que, quando uma turba insana, feitos vestais, condena veementemente atos como o de Jean Wyllys e Zé de Abreu, mas silencia em relação às provocações crescentes dos fascistas, é porque o cinismo e a hipocrisia associaram-se alegremente à canalhice."
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