Quem cuida de mim se as políticas governamentais fingem
que eu não existo?
Quem cuida de mim se sou sempre levado como réu, quando
meu aluno quebra uma lâmpada ou agride um colega?
Quem cuidará de mim então, quando tiver que responder por
notas baixas do aluno que estudou o ano inteiro, digo, frequentou a escola,
quando na verdade era eu quem sacrificava meu final de semana para elaborar uma
interessante aula para que ele achasse prazerosa?
Quem cuidará de mim quando tiver que me ausentar, caso
meu filho pequeno esteja doente, e no dia seguinte encontrar no registro de
frequência o mesmo carimbo utilizado para punir outras faltas, mas que na
verdade nem tiveram o mesmo motivo que eu? Nem me iludo com atestado, terei
mesmo que repor este dia...
E quem cuidará de mim quando for eu quem estiver doente?
Porque, se não sabem, eu sou um ser humano, eu também adoeço, choro, tenho
sentimentos, e até preciso de elogios. Elogios?
Sim, elogios. Estou cansado de dar o melhor de mim e ver
refletidas nesse esforço somente minhas faltas, tipicamente humanas, por sinal.
Eu sou sempre o responsável (quando não irresponsável), o errado, o único que
tem que mudar: mudar o método de trabalho, o modelo das aulas, mudar as
avaliações, mudar a maneira de conversar... mudar... mudar... (nunca acerto!) tenho
até medo de mudar minha identidade... me sinto cansado...
Deus, quem cuidará de mim então?
Ah, talvez os meus colegas, porque estes, sim, conhecem o
desafio de meu ofício; Talvez minha família, porque teve tempo de olhar em meus
olhos e reconhecer todo o esforço que contribuiu para dignificar este
trabalho... ou até mesmo um aluno qualquer, querendo retribuir um abraço que um
dia lhe dei quando seu mundo parecia desabar...
Mas, a verdade é que o trem está passando, e com ele a
paisagem que aos poucos muda de lugar.
Graças a Deus nosso aluno não se sujeita mais à punição
de dobrar joelhos sobre caroços de milho, nem conhece a severa ação da
histórica palmatória. Agora o aluno, digo, sr. Aluno, é quem manda, e eu
obedeço... e ai de mim que não me ponha no meu lugar!
E assim, o trem continua a passar... eu aqui, no mesmo
lugar, cheio de esperança, aguardo minha vez... parece que nunca chega! feito
mesmo os momentos insalubres da vida cujos. Porém, no ínterim de minha luta,
prevalece um fio de esperança, movido pela certeza de que, em algum lugar,
existe alguém que pode cuidar de mim, pois este também é professor e, além de
conhecer todos os quatro cantos do mundo, sabe de cor a história da humanidade,
um dia multiplicou pães e os dividiu como ninguém, e ainda é o idealizador de
escrever por linhas tortas. Um dia Ele me disse que, quando estivesse sentado
no banco dos réus defendendo uma causa nobre, Ele advogaria por mim. Isso faz
muito tempo... mas não esqueci...
Então, eu aqui estou... e o trem continua a passar... o
mundo continua a mudar... e este (professor) continua esperando sua vez... mas há de haver
continuidade para esta história...
Analice Fontenele Portela
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